Dr. Luiz Flávio
A endometriose, doença crônica que atinge cerca de 15% das mulheres em idade fértil, define-se pela presença do tecido endometrial fora da cavidade uterina. Esse tecido que reveste a camada interna do útero é o local no qual o embrião se implanta para que a gestação se inicie.
Nos quadros de endometriose, fragmentos endometriais podem ser encontrados em outros órgãos do aparelho reprodutor ou até mesmo em estruturas que não fazem parte desse sistema.
Mesmo em situações de desenvolvimento extrauterino (ectópico), as características do tecido endometrial são mantidas. Isso significa que ele continua a aumentar de espessura durante o ciclo menstrual e pode ter episódios de sangramento — tal qual a menstruação que se inicia no útero, com a descamação do endométrio — levando a uma inflamação local, o que explica parte dos sintomas.
Tratar a endometriose é importante para restaurar a qualidade de vida da mulher, uma vez que, embora seja assintomática em boa parte dos casos, pode provocar consequências que comprometem o funcionamento de outros órgãos da cavidade abdominal e pélvica — inclusive estruturas fundamentais para os processos fisiológicos básicos, como a bexiga e o intestino.
O impacto dessa doença costuma ser intenso na vida da mulher, fazendo com que a realização de atividades rotineiras se torne uma árdua tarefa. Por isso, é importante entender o que é a endometriose, como ela funciona e quais são os tratamentos indicados.
Embora seja uma doença complexa, há muitos mitos envolvidos que acabam gerando estigmas, geralmente infundados. Então, leia o texto na íntegra para obter mais informações!
Quando não tratada, a doença pode gerar complicações que variam de acordo com os órgãos nos quais o tecido endometrial for localizado. Além do local das lesões, as consequências também diferem conforme a quantidade e profundidade das infiltrações celulares — esse é um dos critérios que define o quadro como endometriose mínima, leve, moderada ou grave.
Implantes de células ectópicas no intestino, por exemplo, podem causar dores abdominais fortes e prejudicar o funcionamento do órgão. Dessa forma, a paciente pode sofrer com constipações e dificuldades para evacuar. Algumas mulheres também apresentam o sangramento nas fezes.
Quando a endometriose atinge os ovários, pode vir a causar complicações que impedem a ovulação. Do mesmo modo, focos endometrióticos nas tubas uterinas interferem na fecundação, assim como o ambiente inflamatório no útero prejudica a nidação (processo de implantação embrionária). Portanto, a fertilidade da mulher pode ser afetada em vários aspectos.
A endometriose profunda também pode apresentar riscos à gravidez, caso não seja devidamente tratada. Recomenda-se que pacientes com essa doença realizem acompanhamento médico constante, uma vez que o tratamento não significa que a mulher não possa manifestar tal quadro novamente.
Em síntese, os sintomas e as complicações da endometriose incluem seis problemas principais:
Como já mencionamos, as lesões endometrióticas nos intestinos são prejudiciais às atividades do órgão, causando sintomas desconfortáveis durante o período menstrual e impactando o bem-estar da paciente. Conforme as características dos implantes encontrados — extensão, profundidade e formação de aderências —, a cirurgia é necessária.
Com menor frequência, os fragmentos endometriais se alojam no trato urinário, sendo a bexiga os órgãos mais afetados. Como consequência, a mulher pode ter dificuldades para urinar (disúria), incluindo dor e/ou ardor, aumento da frequência e presença de sangue na urina (hematúria).
Dismenorreia é o termo que define as cólicas menstruais — dor que pode variar de intensidade, chegando a um nível incapacitante, isto é, quando a portadora não consegue desempenhar suas atividades habituais.
Esse sintoma está presente em diversas doenças uterinas e deve ser avaliado em conjunto com as demais manifestações do quadro para obter um diagnóstico diferencial. Normalmente, é preciso entrar com medicamentos específicos para minimizar os sintomas e regular a ação hormonal.
Quadros de dor pélvica crônica podem ter diferentes causas, e uma delas é a endometriose. O que começa como um desconforto cíclico, isto é, somente durante o período menstrual, pode tomar conta da vida da portadora e se tornar um problema constante. Quando a intervenção com medicamentos não ajuda a aliviar o incômodo, somente o tratamento cirúrgico pode trazer resultados mais efetivos.
Como vimos acima, a infertilidade é uma das principais complicações da endometriose. A doença pode alterar o processo reprodutivo em diferentes etapas: ovulação, fecundação ou nidação.
Mulheres que já tem prole constituída encontram possibilidades de tratamento mais abrangentes: uso de anticoncepcionais contínuos ou combinados; colocação de dispositivos intrauterinos (DIU) de base hormonal; em casos extremos, cirurgias para remoção dos focos de doença.
Já a mulher que ainda deseja ter filhos precisa estudar bem as alternativas de intervenção, porque: de um lado, a doença inflamatória prejudica as funções reprodutivas; na outra ponta, existe o risco de o procedimento cirúrgico afetar ainda mais a fertilidade — sobretudo nos casos de endometrioma (endometriose que causa cistos nos ovários).
Por fim, outro efeito desfavorável da endometriose é a dispareunia, termo que define a dor durante o coito. Essa complicação afeta a vida sexual da mulher, uma vez que o medo da dor inibe a excitação e dificulta as relações — o que, inclusive, se configura como um fator indireto de infertilidade.
A dispareunia também é um sintoma encontrado em outras doenças uterinas, portanto seu tratamento é feito conforme o quadro clínico associado.
O tratamento ideal da endometriose é determinado de acordo com as características da doença, sintomas relatados e os objetivos da paciente. A abordagem terapêutica pode ser utilizada a depender das queixas da mulher. Os métodos mais utilizados atualmente são a cirurgia, a terapia hormonal ou a associação de ambos.
O principal objetivo da cirurgia em pacientes com endometriose é retirar os focos de endometriose, restabelecendo a anatomia da pelve. Isso também é fundamental para evitar a formação de novos focos da doença.
Mulheres com dor pélvica e suspeita de endometriose podem receber tratamento terapêutico antes mesmo do diagnóstico definitivo.
Na endometriose superficial peritoneal, os implantes de tecido endometrial ectópico são rasos e não apresentam aderências significativas. Sendo assim, a grande maioria dos casos pode ser controlada sem a necessidade da intervenção cirúrgica, somente administrando medicamentos hormonais, como contraceptivos orais combinados — os quais ajudam a normalizar a ação dos hormônios e controlar possíveis incômodos desencadeados pela doença.
Entretanto, cada paciente carece de atenção individualizada, visto que as manifestações podem ser bem variáveis. Por exemplo, mesmo que a doença se enquadre em estágio de gravidade mínima ou leve, a mulher pode experimentar sintomatologia intensa e não responsiva ao tratamento medicamentoso. Nesses casos, a intervenção cirúrgica pode ser a única forma de melhorar os sintomas.
A videolaparoscopia é o método cirúrgico eleito para o diagnóstico conclusivo e o tratamento da endometriose. A cirurgia exige cautela e habilidade, visto que as lesões, muitas vezes, estão bem próximas a órgãos nobres como intestino e bexiga.
Endometriomas são cistos que se formam nos ovários devido aos implantes de tecido endometrial. Nesses casos, a cirurgia que objetiva tratar a endometriose é conservadora, o que significa que ela visa preservar a anatomia do órgão e a fertilidade da paciente. Portanto, trata-se de um desafio técnico bastante complexo, visto que lesões no córtex ovariano podem prejudicar a reserva de óvulos armazenados.
O princípio do tratamento cirúrgico é a remoção dos focos de endometriose. Entretanto, tal excisão deve levar em consideração os sintomas apresentados versus o possível risco de complicação da cirurgia.
Para corrigir a endometriose ovariana, pode-se realizar o tratamento cirúrgico por meio da laparoscopia com excisão do cisto ou drenagem com vaporização de sua cápsula. Esse, no entanto, deve levar em consideração o tamanho dos cistos, bem como a idade da mulher, paridade, reserva ovariana, (bi)lateralidade e a presença de sintomas.
Em casos de recidivas pós-cirúrgicas, principalmente em mulheres na perimenopausa e que já não têm mais intenção de engravidar, é possível partir para a cirurgia definitiva, a ooforectomia.
A endometriose profunda, quadro álgico mais intenso relacionado com a profundidade de infiltração dos tecidos, é tratada prioritariamente por meio da remoção cirúrgica das lesões.
A abordagem cirúrgica traz enormes benefícios no tratamento da endometriose infiltrativa profunda, levando a melhoras expressivas dos sintomas apresentados (ginecológicos, intestinais, urinários e/ou motores).
É importante alertar a paciente acerca das possíveis complicações do tratamento cirúrgico, relacionadas principalmente à endometriose profunda, mais associada às falhas no funcionamento de órgãos como o intestino e a bexiga.
Assim como na cirurgia de endometrioma, a doença profunda pode, em casos extremos de recidivas, ser tratada com técnicas definitivas — considerando o esclarecimento e o consentimento da paciente, sobretudo reservando a intervenção às mulheres com prole completa e sem desejo reprodutivo.
Em tais situações, a histerectomia (remoção do útero) é o procedimento mais radical que pode ser feito.
Como vimos, a endometriose é uma doença crônica que pode levar à infertilidade. Seu tratamento depende do tipo de manifestação da doença e dos órgãos que foram atingidos pela presença do tecido endometrial. O diagnóstico precoce é essencial para garantir uma intervenção efetiva e restaurar a qualidade de vida, bem como a capacidade reprodutiva da paciente (caso tenha planos de gravidez).
Para saber mais, leia nosso texto institucional sobre endometriose.